27/10/2025

Indústria dobra uso da IA, mas será que a infraestrutura está pronta?

por Heber Lopes, Head de Produtos e Marketing na Faiston

Nos últimos dois anos, a adoção de inteligência artificial (IA) pela indústria brasileira avançou em ritmo de corrida tecnológica. Em 2024, 41,9% das empresas do setor já utilizavam algum tipo de solução baseada em IA, contra 16,9% em 2022, segundo a Agência Brasil — um salto de 163% em apenas dois anos.

A expansão reflete o apetite do setor por eficiência e automação, com aplicações que vão de algoritmos de manutenção preditiva a robôs colaborativos e assistentes virtuais. Mas, enquanto a inteligência cresce, o alicerce que a sustenta acompanha o mesmo compasso? Redes, servidores, nuvem e segurança formam a espinha dorsal dessa transformação — e talvez sejam, hoje, o verdadeiro gargalo da era industrial inteligente.

Por mais sofisticado que seja um sistema de IA, ele só entrega resultados se estiver sustentado por redes de comunicação rápidas e estáveis. E é justamente aí que muitas indústrias brasileiras ainda tropeçam. Apesar de todo o entusiasmo em torno do 5G, apenas 6% das fábricas do país tinham redes 5G instaladas até o fim de 2023. Mais da metade sequer discute o tema internamente — reflexo da falta de infraestrutura local e do alto custo de implantação.

Na prática, a maioria das operações industriais continua apoiada em redes legadas, 4G ou Wi-Fi tradicionais, que raramente oferecem a baixa latência e a confiabilidade necessárias a aplicações críticas. Em ambientes de produção com sensores IoT, câmeras de visão computacional e veículos autônomos, qualquer oscilação de sinal pode significar paradas, falhas e prejuízos. A promessa da manufatura 4.0 — fábricas inteligentes, interligadas e responsivas em tempo real — depende de uma conectividade quase instantânea. No Brasil, porém, alcançar essa “latência zero” ainda é um ponto distante do horizonte.

Conectividade ainda é a chave

Mesmo com a expansão da fibra óptica e a chegada do 5G às capitais, a interconexão entre data centers e redes regionais segue muito abaixo do necessário para sustentar serviços de IA distribuída. E há um outro obstáculo estrutural: 90% da capacidade de data centers do país está concentrada no Sudeste, o que obriga empresas do Nordeste e Centro-Oeste a enviar dados por distâncias maiores, com tempos de resposta mais altos. Já existem iniciativas fora do eixo Sudeste, mas ainda são uma exceção.

Paralelamente à questão das redes, surge o desafio de onde e como processar os crescentes volumes de dados gerados pela indústria inteligente. Treinar e inferir modelos de IA é intensivo em processamento – envolve servidores equipados com GPUs, armazenamento rápido e muitas vezes necessidade de resposta em tempo real.

Historicamente, muitas indústrias brasileiras sempre mantiveram servidores on-premises para seus sistemas de ERP, automação ou controle de produção. Mas a onda de IA exige muito mais. Duas tendências têm aparecido como solução: a migração para a nuvem e o computador de borda (edge) mais próximo do chão de fábrica. A adoção de computação em nuvem já é elevada – 77,2% das empresas industriais utilizaram serviços de nuvem em 2024, segundo a pesquisa do IBGE.

Essa foi, inclusive, a tecnologia digital avançada mais usada, acima até da própria IA. A nuvem oferece elasticidade: em teoria, a empresa pode alugar quantos servidores virtuais precisar, quando precisar. No entanto, adotar nuvem não significa automaticamente estar preparado.

Muitas empresas estão apenas começando essa jornada e enfrentam obstáculos para integrá-la aos sistemas existentes. Integração é palavra-chave: cerca de 45% das empresas apontaram dificuldade de integrar novas tecnologias – como IA e ferramentas em nuvem – com seus processos e estruturas atuais. Isso indica que boa parte está esbarrando em sistemas legados e arquiteturas não planejadas para um ambiente híbrido. Além disso, depende-se novamente de conectividade estável: se a inferência de um modelo de IA que controla a logística da fábrica roda na nuvem, a fábrica não pode parar quando a internet cai ou fica instável.

Edge computing: solução para os gargalos

Esse cenário de gargalos e latência explica o crescimento do interesse pelo edge computing. No Brasil, o movimento ainda é incipiente, mas começa a ganhar forma: 64% dos provedores regionais de internet (ISPs) já iniciaram ou planejam investimentos em data centers próprios. A maioria aposta em estruturas de pequeno e médio porte, criadas justamente para atender demandas empresariais locais e suportar serviços de baixa latência.

Nas grandes indústrias, essa tendência se traduz na instalação de “mini-nuvens” internas — servidores dedicados a rodar algoritmos de visão computacional, sistemas de robótica e análises preditivas em tempo real, sem que cada dado precise viajar até São Paulo ou para um data center no exterior. É o primeiro passo para uma infraestrutura mais distribuída, capaz de responder na velocidade que a automação industrial exige.

Mas essa é a exceção, não a regra. A maioria das indústrias de médio porte no país ainda opera com capacidade computacional limitada, concentrada no suporte às rotinas administrativas e de produção. Ampliar esse parque tecnológico exige investimento pesado em hardware, energia e refrigeração — recursos que muitas empresas simplesmente não têm.

Outro ponto é que ter parte da infraestrutura na nuvem se tornou praticamente inevitável para quem quer escalar em IA sem comprar uma sala cheia de servidores. Mesmo que os números apontem a adoção massiva da nuvem pela indústria, a maturidade de adoção varia muito: a maior parte das empresas começou migrando e-mails, sites ou alguns dados para nuvem – ganhos fáceis. Levar aplicações de IA críticas para a nuvem, por sua vez, exige um novo patamar de gestão de TI.

Transversal a tudo estão a segurança e a governança. Nesse aspecto, “prontidão” significa antecipar problemas: é adotar uma postura proativa de que ataques vão acontecer e falhas vão surgir, preparando-se antes. Empresas líderes já tratam cibersegurança e proteção de dados como parte inseparável da transformação digital – não adianta digitalizar sem blindar.

Ferramentas de IA devem ser duplamente testadas, dados críticos precisam de criptografia e backups isolados, e uma cultura de conscientização deve permear desde o chão de fábrica até a alta direção. A convergência entre TI (tecnologia da informação) e TO (tecnologia operacional) na indústria demanda também um casamento entre os responsáveis de cada área, trabalhando juntos para mapear riscos e mitigar pontos fracos, seja no servidor em nuvem ou no robô da linha de montagem.

O resultado é um paradoxo cada vez mais evidente: há vontade de inovar, mas falta infraestrutura para sustentar a inovação. Boa parte das iniciativas de IA acaba restrita ao que cabe dentro da capacidade atual — ou terceirizada integralmente a fornecedores externos de tecnologia, o que amplia a dependência e limita o controle sobre dados estratégicos.

O desafio da indústria brasileira, portanto, não é mais entender o potencial da IA — isso já está claro. O que falta é garantir que a base física e digital esteja preparada para essa nova lógica produtiva. Conectividade, poder de processamento e segurança da informação deixaram de ser temas de bastidores para se tornarem determinantes da competitividade industrial.

A corrida da IA está em curso, mas só cruzará a linha de chegada quem tiver o terreno preparado. Sem investir em infraestrutura, a inteligência pode até brilhar, mas continuará correndo sobre um chão instável.

Sobre a Faiston

Fundada em 2001, e com um novo posicionamento de mercado desde 2021, a Faiston é uma integradora de serviços e soluções 100% nacional. Com sede em São Paulo, a empresa conta com mais de 300 funcionários e 5.500 parceiros de tecnologia em todo o Brasil. Para saber mais, acesse: https://faiston.com


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