Gestão de documentos jurídicos no Brasil: desafios da digitalização
Por Inon Neves, vice-presidente da Access
Imagine uma investigação corporativa em que as evidências estão espalhadas por terabytes de e-mails, planilhas e mensagens, enquanto nos corredores de um escritório pilhas de pastas físicas se acumulam. Esse cenário é uma constante para o setor jurídico brasileiro, pressionado por um tsunami de dados digitais e pelo legado de documentos em papel.
Nos últimos anos, a quantidade de dados corporativos cresceu exponencialmente, e a tendência deve se manter. Estimativas indicam que o volume global de informações praticamente dobra a cada dois ou três anos, impulsionado por transformação digital, Internet das Coisas (IoT) e análise em tempo real. Investigar fraudes ou lidar com um litígio passou a ser como procurar uma “agulha no palheiro” – ou entre bilhões de bytes de informação.
Advogados e equipes de compliance agora precisam vasculhar não apenas documentos de papel, mas também e-mails, chats corporativos, logs de sistemas e até redes sociais em busca de evidências relevantes. O processo tradicional de análise manual tornou-se inviável frente a essa avalanche informacional.
Paralelamente à explosão de dados digitais, o setor jurídico brasileiro carrega um pesado passivo de papel. Por décadas, escritórios de advocacia e tribunais acumularam arquivos físicos – contratos, petições, processos judiciais inteiros em papel. Modernizar essa gestão documental implica enfrentar a hercúlea tarefa de digitalizar volumes gigantescos de documentos físicos – o que tem amplo respaldo na legislação, já que desde 2020 o Governo Federal equiparou o valor jurídico de documentos digitalizados aos originais em papel, através do Decreto nº 10.278/2020. Esse marco regulatório removeu a insegurança quanto à validade legal de cópias digitais, ao estabelecer padrões técnicos para que um documento escaneado tenha o mesmo efeito legal que o físico.
Em 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou metas graduais de digitalização de todo o acerto físico existente. Tribunais com poucos processos pendentes em papel (menos de 5% do total) tiveram prazo até final de 2022 para concluir a conversão; já aqueles com grandes acervos (mais de 40% dos casos em meio físico) têm como data-limite 31 de dezembro de 2025 para finalizar a digitalização.
Importante destacar que as novas diretrizes não focam apenas na conversão, mas também na gestão adequada dos documentos digitalizados. A Resolução CNJ n° 469/2022, por exemplo, padroniza procedimentos para garantir que, uma vez digitalizados, os processos mantenham integridade, autenticidade, confidencialidade e sejam preservados pelo tempo necessário. Em outras palavras, não basta virar papel em PDF; é preciso armazenar esses arquivos de forma segura, indexada e com backups, assegurando que uma prova digital terá a mesma confiabilidade que o arquivo físico em um arquivo de cartório.
Barreiras para adoção da tecnologia
As iniciativas normativas e tecnológicas criaram o ambiente propício para a modernização, mas nem tudo se resume à tecnologia em si. Há barreiras culturais e tecnológicas que ainda freiam a modernização plena da gestão documental em muitas organizações jurídicas.
De um lado, existe a cultura arraigada do papel – profissionais do Direito acostumados a arquivos físicos, carimbos e pilhas de processos podem demonstrar resistência à mudança e ceticismo em relação às ferramentas digitais. Essa mudança cultural é complexa: requer tempo, treinamento e envolvimento dos líderes. Pesquisas confirmam que esse fator humano é crítico – 71% dos advogados brasileiros apontam a resistência à adoção de inteligência artificial como um obstáculo no setor jurídico, de acordo com uma pesquisa realizada pela ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software) e o IDC (International Data Corporation), divulgada ano passado.
Por outro lado, desafios tecnológicos e operacionais também se impõem. Implementar novas soluções requer investimento em infraestrutura e capacitação, além de integração com sistemas legados existentes. Não é simples conectar um sistema moderno de gestão documental a um software jurídico antigo, por exemplo – e essa complexidade de integrar o novo ao antigo foi citada como barreira por 33% das empresas na pesquisa da ABES.
Outro ponto crítico, frequentemente negligenciado pelas empresas, é a gestão adequada do recebimento das notificações extrajudiciais. Muitas organizações ainda carecem de processos claros para digitalizar, centralizar e encaminhar rapidamente esses documentos para seus departamentos jurídicos. Como resultado, a falta de uma estratégia estruturada de digitalização e gestão dessas notificações tem provocado perdas de prazos importantes, aumentando riscos operacionais e legais.
Nesse sentido, investir em soluções que organizem e centralizem eletronicamente as notificações recebidas pode representar um grande diferencial competitivo. Ao garantir que notificações extrajudiciais sejam rapidamente digitalizadas e distribuídas para as equipes responsáveis, as empresas minimizam riscos de descumprimento de prazos, reforçando compliance e evitando prejuízos financeiros e reputacionais significativos.
Há ainda a preocupação justificável com segurança da informação: escritórios lidam com dados altamente sensíveis, de modo que qualquer falha de segurança na digitalização pode ser desastrosa. De fato, quase metade dos profissionais (47%) enxerga a segurança de dados como um dos maiores desafios na implementação de novas tecnologias no jurídico. Esse receio inclui o risco de vazamentos, acessos não autorizados ou mesmo perdas de arquivos por falha técnica – preocupações que precisam ser mitigadas com soluções robustas de cibersegurança. Além disso, requisitos legais complexos não desaparecem no mundo digital; ao contrário, a gestão eletrônica precisa respeitar normas processuais e de arquivamento.
O uso de novas tecnologias
Mesmo que ainda existam algumas barreiras, uma série de soluções vêm impulsionando a transformação digital jurídica no Brasil. A computação em nuvem, por exemplo, tornou-se aliada natural – armazenar documentos digitalizados em repositórios em nuvem permite acesso remoto instantâneo a arquivos, algo indispensável em tempos de trabalho híbrido e para escritórios com atuação nacional.
Ferramentas de automação de processos vêm eliminando tarefas manuais: hoje é possível programar fluxos em que um documento recebido seja automaticamente protocolado, classificado e direcionado ao responsável, sem intervenção humana, reduzindo erros e aumentando velocidade. A própria etapa de digitalização física tem se beneficiado de tecnologias de reconhecimento de texto (OCR) e classificação automática, de forma que escanear milhares de páginas não signifique criar milhares de imagens “mudas”, mas sim documentos pesquisáveis e integrados aos sistemas.
Tecnologias de inteligência artificial e aprendizado de máquina também começam a gerar impacto tangível – desde a classificação inteligente de documentos por relevância até a análise preditiva de dados para detectar anomalias em auditorias.
Além disso, as ferramentas de eletronic discovery (ou e-discovery) são uma resposta da tecnologia para a gestão desse volume de dados. Trata-se do conjunto de métodos e ferramentas para filtrar, coletar, preservar e analisar dados eletrônicos de forma agilizada, visando identificar as informações que realmente importam em um caso.
Escritórios de advocacia de ponta já encaram o e-discovery como vantagem competitiva essencial nos trabalhos de investigação, auditoria e litígio. Ao empregar tecnologia especializada, é possível automatizar tarefas repetitivas e acelerar a triagem de documentos, reduzindo drasticamente tempo e custo em comparação à revisão manual tradicional.
Ferramentas modernas conseguem, por exemplo, vasculhar milhões de e-mails e documentos em poucos minutos, aplicar filtros por palavras-chave, datas ou remetentes, e até usar inteligência artificial para apontar quais arquivos têm maior probabilidade de conter evidências relevantes. Essa eficiência permite que as equipes jurídicas concentrem tempo na estratégia do caso em vez de se afogar em papelada digital.
Nesse momento de transição em relação à tecnologia no setor jurídico brasileiro, transformar a gestão documental não é apenas uma questão operacional, mas estratégica. Significa reduzir riscos, cortar custos ocultos, aumentar a transparência e estar melhor preparado. Em um mercado cada vez mais competitivo e regulamentado, liderar essa mudança é posicionar-se à frente. Aproveitar esse momento de transformação pode significar, no fim das contas, a diferença entre afundar em informação desorganizada ou navegar com segurança no oceano digital.
Sobre a Access
A Access é o maior fornecedor mundial de serviços de gestão de registros e informações (RIM), com operações nas Américas e Índia. Como um provedor de soluções de ponta a ponta, com custo-benefício, que atende todo o ciclo de vida do RIM, a Access ajuda organizações a garantir que seus registros críticos e confidenciais, tanto físicos quanto digitais, sejam retidos, gerenciados e processados com segurança, em conformidade com os mandatos regulatórios. As principais soluções incluem armazenamento externo; migração de acervo, indexação, digitalização e arquivamento de registros digitais; e serviços de destruição segura e BPO. Juntas, a Access e Triyam, uma empresa da Access focada em software para arquivamento de registros eletrônicos de saúde, foram reconhecidas 16 vezes na lista Inc. 5000; várias vezes reconhecidas pela Newsweek, incluindo a lista das Melhores Empresas da América de 2024 para Diversidade e a designação de Melhor Empresa Digital de Saúde do Mundo; e reconhecidas três vezes como Melhor em KLAS em Arquivamento de Dados. Para mais informações sobre a Access, visite: https://accesscorp.com